Viagem Família______________________________________

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Amapá: o "lugar da chuva"!

Estávamos chegando próximos de nossa última fronteira (entre Guiana Francesa e Brasil) e as borboletas já estavam se agitando dentro de nosso estômago. Entre Régina e Saint-Georges-de-l"Oyapok ainda fomos parados por uma blitz, em que verificaram nossos documentos e destino (há alguns postos de controle aduaneiro nas Guianas, como forma de controle de imigração ilegal ou tráfico, sei lá) e já na ponte sobre o rio Oiapoque, apresentamos nossos passaportes e os carimbamos. Pronto! 


Agora era só atravessar a ponte - Ponte Binacional Franco-Brasileira - linda e nova, pois foi inaugurada em 2017! ATENÇÃO: o horário de funcionamento do posto de verificação aduaneiro está aberto das 8h às 12h e das 14h às 18h em dias úteis, fechando entre 12h e 14h - hora do almoço. Aos sábados, funciona apenas das 8h às 12h  e aos domingos e feriados está fechada! 

Ponte Binacional

Retornamos ao Brasil, desta vez definitivamente! Carimbamos nossa reentrada (pois havíamos carimbado nossa saída em Bonfim - RR, na divisa com a Guiana) e nos dirigimos até a cidade de Oiapoque, que foi, assim, meio frustrante! 

Além do Marco Zero numa praça localizada ao lado do rio de mesmo nome, não há nada que destaque o Oiapoque como o ponto mais ao norte do litoral brasileiro. Cabe aqui um destaque: quando éramos pequenos aprendíamos (erroneamente) que os extremos do Brasil eram Oiapoque e Chuí. Há alguns anos foi feita a correção, estabelecendo o ponto mais setentrional do Brasil, ao Norte, no Monte Caburaí, em RR - ele está 80 km mais ao norte que o Oiapoque! Sendo assim, o Oiapoque continua sendo o ponto mais ao norte do litoral brasileiro. 

Mercado Público

Ervas e garrafadas disponíveis no mercado público da cidade

Marco Zero da cidade do Oiapoque, com o rio de mesmo nome ao fundo. Do outro lado, já é a Guiana Francesa

Buscamos um imã de geladeira (fazemos coleção) e também um adesivo da cidade para colarmos no Garça, porém o povo daqui nos disse, com estranhamento: "nóis num tem isto aqui, num sinhô! Talvez na capital, Macapá!" Ok.

Com um rio tão frondoso ao lado, buscamos, inutilmente, um balneário para passarmos a noite. Como também isto não há por aqui, nos restou acamparmos no posto Ipiranga, já na saída da cidade, onde tínhamos alguma estrutura e tranquilidade à noite. 




No dia seguinte, já a caminho de Macapá, andamos uns 30/40km e o asfalto terminou... dali em diante, mais uns 110km de estrada de chão até Calçoene. Com as chuvas intensas do inverno amazônico a lama e buracos fizeram com que nosso trajeto fosse mais lento e cuidadoso! 

Em Calçoene acabamos cometendo um erro de não entrarmos na cidade! Por falta de pesquisa prévia (erro meu!) e nenhuma sinalização local, acabamos perdendo a praia do Goiabal, no oceano Atlântico e o Parque Arqueológico do Solstício, um local ancestral que se supõe ter sido um observatório indígena (datado de 500 a 2000 anos), também chamado de "Stonehenge do Amapá" (fazendo referência ao Monumento localizado no Reino Unido). Algumas peças líticas e funerárias estão no Museu em Macapá e foi lá que descobrimos o que havíamos perdido... 

Rio Amapa Grande, na Comunidade do Calafate, pertencente ao município do Amapá

Estacionados em cima de um lajeado

Batendo papo e ouvindo histórias de sr. Clodoaldo e sua filha, Del

Com Del, nas margens do rio Amapa Grande

Acabamos acampando num lajeado de pedra ao lado do rio Amapa Grande (assim, sem acento), na Comunidade do Calafate, já pertencente ao município do Amapá. Del (Delmira) e seu pai, Clodoaldo, de 88anos, permitiram que parássemos ao lado de sua casa e ainda ofereceram a área da churrasqueira para usarmos, em caso de chuva. Encontrar o primeiro morador da região e ouvir suas histórias foi top! Sr. Clodoaldo nos contou sobre a Base Aérea usada pelas Forças Armadas Norte-Americanas durante a 2ª Guerra Mundial e também sobre a garimpagem nos rios, inclusive aquele que passa nos fundos de sua casa... muito diamante e ouro foram retirados dali e ainda hoje há atividade garimpeira mais para o interior. O manganês, abundante na região da Serra do Navio, atraiu olhares estrangeiros e sua exploração começou em 1954, com a instalação de uma linha férrea exclusiva. Segundo dizem, naquela época só entrava na Vila Serra do Navio quem trabalhava na mineração ou na administração da empresa. Curiosos não eram bem vindos e acabavam expulsos. A cidade tinha um nível de infraestrutura invejável para a época. 

Igreja N. Sra. de Nazaré, na cidade do Amapá

Vista da torre da igreja

Figura folclórica, o Cabralzinho é herói, pois expulsou os franceses deste território

No dia seguinte, nossa missão era desbravar a cidade do Amapá. A cidade foi fundada oficialmente em 1901, mas sua história se inicia muito antes. Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, é uma espécie de herói na cidade (e estado), pois foi um militar brasileiro, general honorário do Exército Brasileiro, comandante da resistência brasileira frente à intrusão francesa, redefinindo o mapa a partir do tratado da arbitragem, feito na Suíça e que teve como defensor o Barão do Rio Branco. A questão da fronteira não tinha sido resolvida desde que holandeses, ingleses, franceses e os próprios portugueses se revezavam no domínio da região. Assim, após o Barão apresentar a defesa, composta de 5 volumes de documentos que incluíam um atlas com 86 mapas, a sentença foi favorável ao Brasil, que incorporou ao seu território cerca de 260 mil km².

Existem alguns bunkers no meio do mato, meio escondidos

Hoje estão habitados por morcegos e um ou outro cabrito que busca abrigo



Instalações abandonadas

No Museu não há mais peças em exposição, apenas alguns quadros e gravuras

Em 1941, durante a 2ª Guerra Mundial, o governo autorizou que o exército americano construísse uma base militar que serviu principalmente para atracamento de dirigíveis que eram usados no patrulhamento do litoral e caça de submarinos alemães nazistas, bem como proteger as frotas de navios mercantes que atravessavam a região. Assim, após a guerra a base ficou em desuso e Getúlio Vargas determinou a criação do território do Amapá (1943), separando-o do estado do Pará (chamado de Grão Pará). 

O Amapá só se tornou estado a partir da Constituinte de 1988, juntamente com os territórios de Roraima e Acre. Contando com aproximadamente 143 mil km², onde pouco mais de 877 mil habitantes se distribuem nos 16 municípios que compõe o estado, Macapá é sua capital e maior cidade do estado. 


A terra dos tracajás

Represa de Ferreira Gomes

Cada dia, uma sala de estar diferente

Antes de seguirmos para Macapá, ainda paramos uma noite no lago da represa Ferreira Gomes, onde aproveitamos para tomar um gostoso banho. Também passamos no município de Tartarugalzinho, onde os tracajás (tartarugas) são as estrelas. Há soltura dos bichinhos nos rios da região, além de ser uma iguaria que é degustada normalmente pelos ribeirinhos. 


Ao chegarmos na capital, cidade grande, com muito tráfego e nenhum lugar para acampar (como em toda a cidade grande), buscamos no IOverlander alguma opção de hostal, albergue ou local onde pudéssemos ficar, pelo menos 2 dias. Encontramos um local, chamado Chalé Quintal Amazon, onde muitos viajantes costumam ficar e nos dirigimos para lá (fica no caminho para Santana).
 
Com Maia, um grande amigo que quer ajudar todo mundo

Acabamos "dando com os burros n'água", pois as proprietárias haviam saído e só voltariam no dia seguinte. A hospedagem aqui se faz com reserva com antecedência!! Ah!!  No azar, tivemos sorte. Conhecemos o Maia, um cidadão nota 10, que nos ofereceu abrigo em frente ao seu comércio e, em conversas com diversos vizinhos, acabou encontrando uma boa alma - Rafael - que nos acolheu em seu sítio, 5 min distante, com direito à piscina e banheiro privativo, gratuitamente. Obaaaa!!!

                        
Pernoite na propriedade do Rafael. Obrigada, amigo!
                           

Fomos para lá, agradecidos e depois de tomarmos um gostoso banho de piscina e preparamos nosso almojanta, fomos surpreendidos por uma visita: o Matheus, um vizinho que soube de nossa chegada, veio nos buscar para conhecermos seus pais, vizinhos de fundos de onde estávamos e que queriam conversar e nos conhecer. Como nunca dizemos "não", fomos de carona com ele conhecer o Regi e a Mari. Foi amizade à primeira vista. Trocamos muitas ideias e no dia seguinte acabamos mudando de endereço. O que deveriam ser uns 2/3 dias, tempo suficiente para conhecermos Macapá, comprarmos a passagem para Belém (de navio) e buscarmos os amortecedores do Garça, acabou virando mais de 10 dias, nos quais acabamos fazendo mais uma família!!! 

Teca garantindo a bebida do churras. Excelente companhia para filosofia (e cerveja rsrsrs)
"A casa é o carro
O quintal é o mundo
E a vida é uma poesia". Teca, a poetisa e amiga

Com Mari


No Fazendinha, com Bira e Teca, casal top!

Nestes dias, em contato com a família Regi/Mari, além de termos grandes momentos juntos, aproveitamos para desbravar a região. Terezinha (Teca) e Bira nos levaram para conhecer o bairro Fazendinha, muito popular e às margens do rio Amazonas. Degustamos pratos típicos da culinária amapaense, conhecemos alguns municípios "pegados" na capital, como o quilombo Curiaú e o rio Matapi, onde o Restaurante Flora funciona como um balneário. 

Família reunida na casa do Sena... ih! Faltou o Sena na foto rsrsr

O quilombo do Curiaú, com as pastagens alagadas em função da chuva intensa

Restaurante Flora, em Santana, às margens do rio Matapi

O rio Matapi é afluente do Amazonas


No Burger Ville... tudo delicioso

Agradecimento ao casal, Mari e Regi, pela acolhida

Reunião familiar, no Recanto dos Artistas (casa do Regi/Mari)

Regi nos ajudou na busca dos amortecedores traseiros para o Garça (pois ainda eram os mesmos com os quais saímos do Brasil há mais de 4 anos, nos levando a diversos locais); visitamos os principais pontos turísticos da cidade; conhecemos o restante da família (todos muito bacanas e animados); passeamos, fizemos churrasco, tomamos banho de piscina, orientamos, filosofamos e rimos muito junto dessa nossa nova família do Amapá! Por intermédio do Regi, fomos convidados para uma reunião do Jeep Club de Macapá (do qual ele é membro), onde fizemos uma palestra contando um pouco de nossas aventuras, desventuras e dicas, além de respondermos algumas perguntas. Perpétua, presidente do Jeep Club, e seu esposo, Mourão, são gente muito boa. Também pelos contatos do Regi participamos de um programa ao vivo na Radio Diário - Programa do Luiz Mello - onde o radialista Cléber nos recebeu e onde contamos um pouco de nossa história, aventuras e viagens pelo mundo. 

Na Radio Diário, no Programa do Luiz Mello


Recebendo o adesivo do Jeep Club de Macapá, das mãos da presidente, Perpétua

Contando histórias

PONTOS TURÍSTICOS DE MACAPÁ

1 - Marco da Linha do Equador ou do Solstício: o interessante é que o único lugar em que a Linha do Equador passa dentro da cidade, aqui no Brasil, é por Macapá, dividindo a cidade ao meio! No dia do solstício, o sol se alinha e seus raios passam exatamente no círculo indicado acima.



2- Há dois locais onde se pode tirar a foto clássica: Eu Amo Macapá


3 - Fortaleza São José de Macapá: sua construção se deu durante o reinado de D. José I, em 1764. Na sua construção trabalharam oficiais, soldados, canteiros, artífices, trabalhadores africanos e indígenas. O projeto de defesa da Amazônia desenvolvido pelo Marquês de Pombal, com dimensões comparáveis às do Real Forte Príncipe da Beira (em Rondônia, na margem direita do rio Guaporé).




Peças de artilharia 



4 - Casa do Artesão: localizado próximo da Fortaleza de São José, é um lugar bacana para conseguir artesanato regional

Foi aqui que descobrimos sobre Calçoene.... modelo de urna fúnebre dos indígenas 

 5- Museu Sacaca ou Centro de Pesquisas Museológicas Museu Sacaca: inaugurado em 1970, conta com acervo bem diversificado, e o seu maior destaque é o fato de haver circuito expositivo a céu aberto, construído a partir das comunidades indígenas, ribeirinhas e extrativistas.

Parque Sacaca

Réplica de urnas fúnebres de etnia amapaense, retiradas de Calçoene

Esqueleto de baleia
Reprodução de oca indígena 

Casa de farinha

6 - Floriculturas de nossos amigos: Teca, Mari e seu filho Matheus cultivam plantas, que são fornecidas para supermercados da cidade, além de vendas direto ao consumidor. No Recanto dos Artistas, Regi - que é artesão e artista - produz peças únicas em madeira de lei.




Regi, com uma de suas criações

Neste meio tempo cotamos nossa viagem para Belém - PA na vizinha Santana e conseguimos um transbordo por R$ 1000,00, com a empresa da Rose (+55 98133-0321). Tudo acordado, fechado e pago, nossa viagem estava marcada para sexta-feira, dia 27/01, no navio Ana Beatriz. Na quinta-feira à noite, quando estávamos justamente nos despedindo de nossa nova família, o telefone toca. Era a Rose nos contando que o motor de nosso navio tinha quebrado e ele estava à deriva, e nem havia aportado ainda portanto, seria impossível seguirmos viagem no dia seguinte. O povo todo ficou muito feliz e nós já estamos habituados a mudanças de rumos e planejamentos e assim, ficamos mais uns dias... afinal, estava tudo muito bom e as atividades sociais estavam ocupando nosso tempo.  

Quando segunda-feira chegou, data remarcada do nosso embarque, saímos logo cedo e fomos até Santana (de onde partem todas as viagens de navio para Belém e Santarém, além de outras localidades). Bah... descobrimos que nosso carro não entrava na área coberta do navio, pois a altura do deck era inferior a 2 metros. Rose, nossa agente, viu então a possibilidade de viajarmos no dia seguinte, nos navios grandes, tipo ferry/balsa e nos encaixou no navio Comandante Cid, do Manoel, cuja agência era N. Sra. de Nazaré (+55 96 99193-5554) com o qual, anteriormente já havíamos conversado e nos proposto o preço de R$1100,00. 

Tudo combinado, passamos o dia passeando pela "linda área portuária" de Santana rsrsrsr e à noite, dormimos num hotelzinho bom e barato - Hotel Rio Verde, cujo custo de pernoite com café da manhã é de R$ 60,00. O detalhe é que o pernoite tem o preço de R$ 60,00 mas a "diária" custa R$ 80,00. Descobrimos depois de uma conversa com a proprietária que para ter direito ao "pernoite" mais barato, só se fizéssemos o check-inn após às 18h e eram "apenas" 17h30min. Então ficamos sentados na recepção durante esse tempo e passados 30 minutos fomos chamados para proceder a entrada. Coisas da "burrocracia"!

O dia seguinte seria o grande dia!!!!! 

Acordamos cedo, tomamos nosso café (reforçamos com nosso queijo, presunto buscados na nossa geladeira no Garça) e seguimos para o porto. Em poucos minutos, Garça foi embarcado e amarrado com cordas. Lentamente foram carregando o navio, cujo horário previsto de saída era 9h. O Cmte. Cid zarpou, finalmente, às 11h40min passados e iniciamos nossa jornada pelo rio Amazonas. 


A paisagem logo depois de deixarmos a baía de Macapá para trás se tornou só em floresta, dos dois lados do canal em que navegávamos. Foram 30h de navio percorrendo canais do delta do Amazonas, margeando a Ilha do Marajó, até alcançarmos Belém. Dormimos no chão do deck coberto, onde dezenas de redes estavam penduradas e nós usamos nossos colchonetes, super confortáveis, e acabamos dormindo bem, apesar do barulho dos motores, que é alto! 

Passeamos pelo navio, composto de 3 decks, onde o superior funciona como lanchonete. A trilha sonora de gosto duvidoso foi repetida umas 10 ou 15 vezes, em um volume ensurdecedor... enfim! Os banheiros sempre muito limpos, usam a água do próprio rio para abastecer chuveiros, vasos sanitários,... Portanto, tomamos banho no delta do rio Amazonas, dentro do navio com a água do mesmo. 





Comunidades ribeirinhas do delta do Amazonas

Dentro da balsa/ferry, os serviços oferecidos são simples, porém a comida é farta e preparada na hora a um custo de R$ 20,00 o prato. Já o café da manhã custa R$ 10,00 por pessoa, incluindo pão, frutas, café com leite, tapioca com ovo,... não usamos nenhum serviço, pois havíamos comprado um frango assado no porto, um dia antes, que nos serviu como refeição para os dois dias. Além disso, temos tudo para nosso café da manhã no carro. O chefe da tripulação liberou duas xícaras de café com leite para a gente e isto foi tudo! 

Claro que fizemos amizade com algumas pessoas no navio e batemos muito papo, o que ajudou a passar o tempo... agora, finalmente chegamos ao último estado da região norte que faltava para conhecermos: o Pará! 


Mas esta já é outra história!