Viagem Família______________________________________

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quarta-feira, 21 de junho de 2023

Conhecendo o Sertão Nordestino: Geoparques do Seridó e do Araripe

Sousa (PB)

Como nem só de praias vive o Nordeste de nosso país, aproveitamos para explorar o interior do estado do Rio Grande do Norte, emendando aí outros estados, todos explorando o Sertão!

INTRODUÇÃO

Neste texto será feito um “giro” pelo interior do RN, CE e PB, perfazendo um perímetro de aproximadamente, uns 400 km.  

A surpresa foi agradável, pois apesar de não aparecerem em guias turísticos, existem locais maravilhosos a serem explorados e com estrutura boa para bem receber o turista ou pesquisador que venha por estas bandas!

Pintura rupestre no Sítio Xiquexique (RN)

O QUE SÃO OS GEOPARQUES?

Na busca por locais interessantes para explorar no interior do estado do RN, encontramos informações sobre o Geoparque do Seridó.

Geoparques, por definição, são áreas protegidas que têm como principal elemento seu patrimônio geológico. Para delimitá-las consideram-se evidências arqueológicas e paleontológicas e ainda, a presença de monumentos naturais.

Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (CE)

Isto tudo nos encanta e fomos até a região do Seridó para explorar as belezas da região.

Reconhecido pela UNESCO, o Geoparque do Seridó possui 21 geossítios inventariados, distribuídos nos municípios de Cerro Corá, Lagoa Nova, Currais Novos (onde fica a sede), Acari, Carnaúba dos Dantas e Parelhas.

A partir de 2010 é que este geoparque ganhou corpo, partindo de pesquisas e delimitação de áreas propostas. Na região há abundância da scheelita (tungstato de cálcio, CaWO4), cuja exploração foi abundante na segunda metade do século XX, principalmente na Mina Brejuí.

NOSSO ROTEIRO

Em algum lugar, indo para Sítio Novo (RN)

Saindo de Tabatinga, no litoral sul do Rio Grande do Norte, pegamos a BR 226 e depois pela RN para Sítio Novo, onde subimos a Serra da Tapuia (e que subida!) para conhecer o Castelo do Zé dos Montes.

Subida da Serra da Tapuia

A construção, de pedra e cal, foi feita pelo aposentado José Antônio Barreto (Zé dos Montes), que morreu em 2020, aos 88 anos de idade. Seu filho, Joseildo, está responsável pela curadoria do local. Chegamos numa terça-feira e o local só está aberto para visitação aos sábados, domingos e feriados, com um custo de R$ 20,00 por pessoa. Joseildo até abriria a exceção para permitir nossa visita, a um custo de R$ 25,00 por pessoa, mas agradecemos a gentileza e seguimos, pois queríamos utilizar o local para pernoitar, o que não era possível. Então fomos até a Pedra de São Pedro, distante uns 7 km, um monolito maravilhoso de cujo cume se vê o castelo e a cidade.

Vista da Pedra de São Pedro ao pôr do sol, com mandacarus em primeiro plano

 

Nosso acampamento no pé do morro

Pernoitamos aos pés da Pedra e de manhã subimos por trilha precariamente demarcada e chegamos ao topo antes da chuva! A subida é forte, mas vale a pena!! Na descida, pela precariedade de acesso e trilhas fechadas, acabamos fazendo outro caminho alternativo, que nós mesmos abrimos!

Jararaca no meio do caminho... Marcos usou um galho para afugentá-la do caminho

Vista do vale

Trilha ?

Voltamos à cidade de Sítio Novo e pela BR 226 passamos por Santa Cruz (onde está a maior estátua católica do mundo, em homenagem à Santa Rita de Cássia) até Currais Novos.

Pedra do Navio e Cruzeiro

Muro de pedra com formação rochosa particular

Já na entrada da cidade há marcações para o Cruzeiro e a Pedra do Navio. A formação rochosa é interessantíssima, com muita mica, gnaisse e ágata. Não havia placa explicativa no local e na cidade o Museu está fechado para reformas há 3 anos!!! (este fenômeno tem sido observado em muitos locais: a pandemia fechou os museus, centros de recepção, etc e eles nunca mais abriram!).
Sem Centro de Informação ao Turista disponível na cidade, acabamos aceitando a dica valiosa de um motoboy, que sugeriu visitarmos e acamparmos no Cânion dos Apertados, distante 10 km da cidade, na direção em que estávamos indo.


O local pertence à fazenda Barra Verde, cuja sede é de 1910, e que era grande produtora de algodão antigamente. Lá na sede nos informaram que havíamos passado a entrada do Cânion. Voltamos poucos km e agora, sim, a estrada certa, em meio a mandacarus e xique-xiques, chegamos à portaria da entrada do Cânion. Havia um número de telefone numa placa e Ana Paula nos atendeu, abrindo a porteira e indicando o caminho, após o pagamento de R$ 5,00 por pessoa.

Leito seco do Cânion dos Apertados

Fazendo manutenção preventiva: desta vez, as escovas do motor da ventoinha do radiador gastaram!

Formações únicas em quartzito

Impossível não ficar admirado com a beleza das formações rochosas

O local é lindo; as formações rochosas, espetaculares. Silencioso e tranquilo, acampamos ao som dos passarinhos que nos acordaram no dia seguinte.

Não parece um tronco fossilizado?

O Cânion dos Apertados é o único do mundo em quartzito! Admiramos suas formações e aproveitamos para conversar com um grupo de estudantes e professora que vieram ao local para aula de campo! Naturais de Currais Novos, nos deram dicas preciosas sobre locais interessantes e bonitos na região do Seridó para conhecermos!

Grupo de estudantes com professora, em aula de campo


Igreja da comunidade da Mina Brejuí

Quase em frente à entrada para o Cânion, fica a Mina Brejuí, já citada anteriormente. Ao chegarmos à mina, descobrimos que a visitação é das 8h às 12h (e chegamos às 12h45min!!). Infelizmente, esta visitação ficará para a próxima vez!

Igreja do Rosário, a primeira da cidade (1738)

Mais alguns quilômetros, chegamos à Acari, onde fomos diretamente ao Museu da cidade. Lá, a Lúcia nos acompanhou na visitação do andar inferior (onde era a antiga cadeia e hoje é sala de ofícios e dados históricos do local e arredores). Vitória nos acompanhou na visitação ao andar superior, onde ficava a intendência e hoje estão expostos utensílios de casa, móveis, ...

Marcos em frente ao Museu da cidade de Acari

Ouvindo as explicações de Lúcia

Interior da casa do sertanejo

 
Com Lúcia (com adesivo do Viagem Família), Vitória (ao lado do Marcos) e outra funcionária

Lúcia acabou nos acompanhando pela cidade, onde fizemos compras e acabamos conhecendo e conversando com muitos moradores locais com quem aprendemos peculiaridades da cidade.

Nosso pernoite foi na Represa Eurico Gaspar Dutra ou, como é conhecido por aqui, no Açude Gargalheiras, inaugurado em 1959, e que atualmente conta com capacidade máxima para 40 milhões de metros cúbicos de água, localizado na bacia hidrográfica do rio Piranhas-Açu. Seu nome, Gargalheiras, dá-se em função de ali ser o “gargalo” formado entre as serras do Pai Pedro, Minador e da Lagoa, por onde passa o Rio Acauã (onde foi construída a represa em 1940).

Açude Gargalheiras



Represa Presidente Eurico Gaspar Dutra

Nosso acampamento no fim da linha...


Nossa "Tortinha", companheira durante as refeições


Em companhia de alguns gatinhos, acampamos no fim da linha e no dia seguinte, tentamos achar o sítio arqueológico do Poço do Arroz, sem sucesso!

Em busca do Poço do Arroz... não o encontramos, mas achamos paisagens indescritíveis!

Nossa próxima parada foi em Carnaúba dos Dantas, onde a frentista do posto, Daiane, nos deu o contato do guia José Evangelista, responsável por acompanhar os visitantes ao Sítio Arqueológico Xiquexique. Aproveitamos para subir o Morro do Galo, de onde se tem uma vista da cidade, e na descida encontramos com o guia. Combinado o preço do passeio, R$80,00, seguimos no carro do José até o Sítio Xiquexique. A trilha, sem guia, é impossível de se achar!!

Monte do Galo


José Evangelista, nosso guia e amigo

José nos explicou o porquê da trilha não ser demarcada (não há guias especializados na cidade e o povo “sem noção” risca e tenta arrancar as pinturas rupestres do local). As pinturas rupestres do local datam de mais de 9000 anos. José Evangelista nos explicou sobre o processo de escavações e descobertas na região, também nos deu dicas de outros sítios a serem visitados na região (já próxima das divisas com o CE e PB), e fomos conhecer a Pedra do Alexandre, onde houve um enterramento coletivo. Foram encontrados no local, até agora, 38 corpos, datados de 9400 a 11mil anos e existem indícios de que haja mais corpos no local.

Chegando ao sítio com as pinturas rupestres





Pedra do Alexandre - local de enterramentos

A visitação foi excelente, muito instrutiva e de quebra, acabamos fazendo mais um bom amigo!

PARAÍBA, LÁ VAMOS NÓS!!

Nosso trajeto pelo Sertão tinha por objetivo chegar ao Geoparque do Araripe, no Ceará! No caminho, entramos na Paraíba (nossa primeira vez neste estado) e fomos direto à Sousa!!!

Sousa, fundada em 1766 e emancipada em 1800, quando foi elevada à vila, abriga o Monumento Natural Vale dos Dinossauros, um sítio arqueológico criado em 2002 e que abriga a maior incidência de pegadas de dinossauros no mundo e fósseis de mais de 80 espécies, com idade estimada em cerca de 100 milhões de anos!!!



Vista das pegadas de dinossauro

Nossa visita ao Museu foi feita no dia seguinte, após um pernoite não tão bucólico e tranquilo num posto de combustíveis na cidade! Isto faz parte!!

Também pertencente à bacia hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, a cidade de Sousa é banhada pelo Rio do Peixe, onde entre 100 a 150 milhões de anos atrás, pegadas de Iguanodonte e Pterodátilo ficaram marcadas em seu leito!!!  Incrível!!!




Rio do Peixe
Pegadas do Pterodátilo

Cada camada de 10 cm de lama/terra corresponde a 10 milhões de anos e as pegadas foram encontradas na 3ª camada. Luciana nos acompanhou na visita externa ao local do sítio e Luíza nos explicou os painéis e material interno do Museu. A visita foi top!!!

 

 VOLTAMOS AO CEARÁ

Por estrada asfaltada, novinha – CE 153 – voltamos ao Ceará e após o povoado de Ingazeiras, foram 24 km de pó até reencontrarmos o asfalto novamente (coisas de maps.me)! Nosso objetivo era encontrarmos a Cachoeira da Missão Velha (município Missão Velha) que pertence ao Geopark do Araripe, localizada no rio Salgado.



O local é top, composto por 12 quedas d’água e como a época da cheia já passou, o nível da água estava mais baixo e bom para banho. Foi bem curioso o que aconteceu aqui... ao chegarmos não havia ninguém! Em poucos minutos, após pararmos, 8 carros e 2 motos também pararam, e acabamos tendo a companhia de um montão de gente durante nosso banho relaxante. Ao anoitecer, todos foram embora e tivemos a companhia da gatinha (que mais parecia um lince) que chamamos de Florzinha, durante o jantar.

Nossa "Florzinha"! 

Florzinha também tomou café conosco e nos despedimos dela (com o coração partido!), seguindo pela trilha da Casa de Pedra. Foram aproximadamente uns 6km ida e volta até uma construção do século XVII. Não há informação sobre quem habitou a casa, mas tanto a Cachoeira da Missão Velha quanto a Casa de Pedra são monumentos pertencentes ao Geopark Araripe, relacionados ao contexto da escassez de água no sertão, pois aqui é um dos poucos lugares onde se encontra água durante o ano todo. 

Na trilha para a Casa de Pedra


Casa de Pedra - séc. XVII

A próxima parada foi em Juazeiro do Norte, a terra do Padre Cícero. Após resolvermos questões práticas (abastecimento de gás e outros), fomos ao Horto (também pertencente ao Geopark do Araripe) e onde fica a Estátua do Padre Cícero. Optamos por acampar num posto de combustíveis na parte baixa e só subimos ao santuário no dia seguinte.

Santuário de Padre Cícero

No local há amplo estacionamento, onde se pode pernoitar com motorhome, por exemplo. A presença abundante de comércio e de ambulantes no local é um pouco incômoda! Existe um teleférico que une a cidade (lá embaixo) com o santuário (lá em cima); ele funciona de quarta a domingo, das 7h às 17h e custa R$ 30,00 por pessoa (ida e volta).



Dali descemos por outro caminho – Via Crucis – em meio à comunidade e seguimos para Nova Olinda, subindo a Chapada do Araripe (subida íngreme e forte!) com destino à Santana do Cariri, onde fica o Museu Paleontológico Plácido Cidade das Nuvens.

Curiosidades:  Kariri era uma ramificação indígena que nos tempos do Brasil pré-colonial estava dispersa pelo NE, sendo que próximo à Chapada do Araripe, a região era conhecida por terra dos cariris.

Casa típica do sertanejo

Com Carlinhos, do Restaurante Santa Ana

O Centro de Informação ao Turista da cidade fica no local de um restaurante. Acabamos almoçando por ali (R$18,00 por pessoa) e o Carlinhos, proprietário do Restaurante Santa Ana, nos deu dicas do que fazermos na cidade e região.

Praça central da cidade

Igreja Matriz de Senhora Sant'Ana


Curtindo a praça central da cidade de Santana do Cariri

No museu há sistema de monitoria com alunos oriundos da escola pública e o Luan, estudante de 13 anos, nos acompanhou na visita ao Museu, explicando tudo direitinho. Trocamos ideias, batemos um gostoso papo com o guri, incentivando seu trabalho e pesquisa!!

Modelos das espécimes de dinossauros encontrados na região


Com Luan, nosso monitor! "Este piá tem futuro!"

O museu foi fundado em 1985 e mantém projetos de escavações permanentes de fósseis em toda a Bacia do Araripe, bem como coleta sistemática de fósseis nos arredores. Seu acervo abriga troncos petrificados, impressões de samambaias, pinheiros e plantas com frutos, moluscos e artrópodes, peixes, anfíbios, répteis, ... além de exemplares de pterossauros que viveram na região, há milhares de anos.





Nos arredores da cidade fica o Parque dos Pterossauros e fomos para lá, pois há estacionamento amplo e plano, além da trilha que leva ao local de escavações arqueológicas.

Observando as rochas/gemas



Explorar esta região desconhecida do Sertão Nordestino nos ajudou a entender um pouco mais a essência deste povo, trabalhador e hospitaleiro. Aproveitamos para conhecer a riqueza de seus sítios arqueológicos e história, além de usufruir da culinária típica da região. Os Geoparques Mundiais do Araripe e do Seridó são reconhecidos pela UNESCO.

Vale muito a pena conhecer este pedacinho especial de nosso país!!! Para muito além de suas praias e coqueiros, o Nordeste e seu Sertão são recheados de cultura e história!!!   

Chapada do Araripe ao fundo